Um dos caminhos para conquistar e fidelizar fãs é fazer com que as pessoas entendam do esporte, seja ele qual for. No rodeio, além da dificuldade dos novos fãs entenderem as regras das montarias – que são quase universais na atualidade – há também a dificuldade em entender o formato de competição, que naturalmente pode variar de um rodeio para o outro.

Hoje em dia, basicamente a forma de se conhecer o campeão de um rodeio é a mesma em qualquer país, com raras exceções, o que facilita ao fã mais antenado saber de imediato quem venceu. Mas o grande problema ainda está nos dias que antecedem a final, no decorrer das competições, onde sem um formato padrão ainda há bastante confusão, e não apenas pelos fãs, mas também por quem está dentro da arena, incluindo até mesmo os competidores.

É claro que nunca haverá um padrão igual para todos os rodeios, já que nenhum esporte tem de fato um padrão único no formato das competições. Porém, padronização, simplificação e boa comunicação são fatores essenciais que sempre irão ajudar o público que está chegando a entender uma competição.

Um padrão universal jamais vai haver, mas um padrão particular de cada evento é interessante e até necessário, ou seja, que um evento mantenha seu formato de competição ao longo dos anos, facilitando o entendimento. Considerando que alguns fãs acompanham apenas um rodeio por ano, este evento tendo um padrão, ajudaria muito, porém na realidade brasileira realmente não acontece, nem nos grandes rodeios.

Aliás, se olharmos históricos recentes de grandes rodeios no Brasil, além de não haver um padrão de um ano para o outro, muitos deles nem formato definido tem – salvo os que aderem aos campeonatos. Você começa assistir uma competição e não sabe como ela irá funcionar, quantas montarias terão naquele dia, quantos irão se classificar, quantos irão fazer a final. Diga-se de passagem, nestes casos, nem os fãs e nem ninguém sabe.

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Há também aqueles eventos que tentam “inovar” no formato de competição e aliado a falta de comunicação – ou a prioridade de usar o microfone para outros assuntos – você passa quatro dias sentado na arquibancada sem saber o que está acontecendo. Claro que novos formatos são sempre bem vindos, mas a verdade é que “inovar” em formatos virou modinha no rodeio brasileiro nos últimos anos e essa inovação na maioria das vezes não está acrescentando ao esporte.

Nesta semana está acontecendo o Rodeio do Calgary Stampede, um dos mais famosos do mundo e o de maior premiação na América do Norte neste verão. Principalmente através das redes sociais os brasileiros tem acompanhado as competições e muitos obviamente podem não entender ainda o formato da competição, em especial se estiver acompanhando pela primeira vez.

Mas a boa notícia é que se você é um desses, assim que entender o formato pode ficar tranquilo, a probabilidade de no ano que vem ser exatamente igual é gigantesca. Na verdade o formato atual de competição do Calgary Stampede é padrão desde 2006, sem nenhuma alteração e agora você imagina, isso facilita ou não o entendimento dos fãs e a sua fidelidade ao esporte?

Até 2005 o Rodeio de Calgary era chancelado pela PRCA, a maior e mais antiga entidade do rodeio mundial e que estabelece os padrões de competição de cada evento em seu regulamento, de acordo com a quantidade de dias do evento e a premiação total disponível. Isto gerava algo extremamente confuso e nada favorável aos fãs.

Desde a década de 80 o Calgary Stampede tinha o bônus de US$ 50 mil para cada modalidade, mas na época a PRCA não aceitava que este bônus valesse para o ranking mundial. Portanto, as competições válidas pela PRCA aconteciam até no round semifinal, onde era definido o campeão da etapa da PRCA pela somatória de pontos ou tempo, e depois disso, os quatro melhores iam para o round bônus, em disputa do grande cheque.

Em cada modalidade poderia haver dois campeões por ano, embora, os campeões oficiais do evento sejam de fato os que venceram o round bônus. Isto gerava uma confusão grande no público, principalmente os não muito habituados. Devido a outras várias divergências os organizadores do Calgary Stampede decidiram desfazer a parceria histórica com a PRCA.

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Assim, então, à partir de 2006 o evento passou a ser autônomo, criando sua própria fórmula de disputa e seus próprios critérios de convites para cada modalidade. Com esta novidade veio também um incremento de 70% na premiação total do evento, aumentando as premiações diárias e subindo para US$ 100 mil o bônus para o campeão.

No primeiro ano, obviamente, deve ter havido estranheza no formato, mas permanecendo inalterado ao longo de 15 edições do evento, ele foi validado, aprovado e popularizado. Boa parte dos competidores que estão na arena do Rodeio de Calgary este ano eram crianças em 2006 e cresceram acompanhando o formato que agora disputam. O mesmo acontece com os fãs.

A discussão se o formato é bom ou justo para os competidores é saudável e tem espaço, mas é inegável que ter um formato padrão por 15 anos fideliza os fãs, que não precisam levar três ou quatro dias assistindo o evento para saber como ele será disputado. Em tempo, a parceria do Calgary Stampede com a PRCA foi retomada na edição deste ano, mas nas novas diretrizes da entidade alguns eventos especiais não precisam seguir um formato padrão do regulamento.

Obviamente que o formato de disputa do Calgary Stampede não é possível de ser aplicado em um evento no Brasil, por diversos motivos. Mas ele pode servir de inspiração e lição de como a inovação bem feita e planejada, não precisa se renovar a cada ano. E a pergunta que fica é: quantos diretores que irão definir formatos de competição no rodeio brasileiro ou “criar formatos inovadores” em 2022, sabem como funciona o formato de Calgary e tiram lições dele?

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ABNER HENRIQUE THERÉZIO é publicitário, produtor de eventos e fanático pelo rodeio há mais de 20 anos, tendo aprofundado seu conhecimento em formato de competições, regulamentos, estatísticas e marketing. Desde 2014 está à frente da Agência PrimeComm, empresa que presta serviço de comunicação e marketing para eventos, campeonatos, empresas e profissionais do rodeio e provas equestres, incluindo alguns líderes de mercado. Também criou a PrimeComm Sports, única agência de representação de atletas que atuou no rodeio brasileiro nos últimos anos. Individualmente atua como diretor de rodeios para grandes marcas e é reconhecido por trabalhos nas áreas de inovação em formatos de competição, desenvolvimento de novos projetos, patrocínio, entre outros, além de estudar constantemente o mercado esportivo de forma geral, buscando o que a experiência de outros esportes pode trazer para o rodeio.

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